A Inteligência Artificial é uma ameaça ao futuro do trabalho?

março 14, 2017 | por Luciano Bitencourt

Análise recente procura avaliar os impactos e os desafios para as organizações brasileiras quanto ao futuro do trabalho. A Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, e a PwC, um network de empresas que prestam serviço no mundo inteiro em auditoria e assessoria, ouviram 113 organizações de diferentes setores. Os dados são de 2014 e trazem pistas interessantes para quem busca compreender as atuais relações de produção no âmbito do trabalho.

Entre os vários aspectos apontados na conclusão, um em especial está diretamente relacionado à educação corporativa. Diz o documento (p. 27) que as empresas “mostraram dificuldades de priorizar as expectativas dos profissionais do trabalho imaterial ou intelectual”, mesmo reconhecendo a importância de “questões típicas, como a remuneração e o desenvolvimento”, além de outras “mais contemporâneas, como o desejo de mais flexibilidade, meritocracia e responsabilidade pela carreira”.

São justamente os trabalhadores do conhecimento que devem sofrer maior impacto nos próximos anos por conta do avanço tecnológico. No Fórum Econômico Mundial de 2016, o debate foi concebido a partir do relatório “O Futuro dos Empregos” (texto em inglês), que traz dados levantados com profissionais de recursos humanos e estrategistas de grandes empresas em 15 regiões que representam, como se estima, 67% da economia no planeta.

Em síntese, o relatório aponta que estamos vivendo uma quarta revolução industrial, cujo resultado é o deslocamento da força de trabalho e a substituição massiva de mão de obra pela inteligência artificial. Isso significa que, em um futuro próximo, parte das atividades intelectuais realizadas nas empresas de alguns setores será substituída por agentes que “aprendem” a dar respostas de maneira mais rápida e eficiente.

Oportunidades para a aprendizagem organizacional

Os debates sobre machine learning  põem em evidência um temor sobre o qual pesquisadores estão debruçados. As bases da “aprendizagem” dessas “máquinas inteligentes” são determinadas por padrões de comportamento humano, que servem de parâmetro no momento da alimentação do sistema. Por exemplo: os critérios usados pelos agentes “tomadores de decisões” podem desenvolver formas excludentes de tratamento, como a diminuição de mulheres em cargos específicos ou elaborar relatórios com discursos hegemônicos sobre determinado tema. Os agentes podem levar em consideração padrões nos registros feitos por pessoas responsáveis pelas informações a serem cadastradas.

A Google monitora constantemente o sistema de Inteligência Artificial da Google DeepMind. Recentemente, os testes mostraram que o sistema opta por estratégias “altamente agressivas” quando percebe que não vai atingir os objetivos programados. É como se a máquina reagisse a um ambiente de profundo estresse por causa do desempenho incompatível com o que se espera. E os responsáveis pelo projeto admitem que esse comportamento emerge “do ambiente e do aprendizado”.

Essa concepção, por consequência, sugere que a elaboração de estratégias para o desenvolvimento pessoal no âmbito do trabalho tenha por base processos formativos que envolvam não só competências e habilidades específicas, direcionadas a funcionalidades necessárias para o aumento da produtividade, mas também valores que promovam o convívio social, o engajamento em ações colaborativas e a humanização dos processos produtivos, entre outros aspectos importantes.

A educação, mesmo corporativa, pressupõe um sentido amplo de formação que desenvolva não só as faculdades específicas para uma determinada atividade. Os “profissionais do trabalho imaterial ou intelectual” qualificam-se em ambientes estruturados para não aprisionar as ações em competências técnicas com o objetivo de obedecer, exclusivamente, a planilhas de controle e avaliações de desempenho. É pela educação corporativa que as relações de produção podem ser aprimoradas e o futuro do trabalho pensado no próprio espaço de aprendizado.

 

Luciano Bitencourt

Formado em Jornalismo, é professor universitário daquela graduação há mais de 15 anos. Já atuou como repórter e participou de diversos projetos na área. É sócio-proprietário da Akademis.