Consórcios de aprendizagem e as alianças estratégicas para bons projetos educacionais

maio 30, 2017 | por Luciano Bitencourt

Bons projetos educacionais frutificam a partir de alianças estratégicas, especialmente na formalização de redes de cooperação para sustentar os processos de aprendizagem e a construção do conhecimento. Jeanne Meister, consultora estadunidense especializada em educação corporativa, já em 1999 destacava experiências estruturadas como unidades de negócio para formar profissionais diferenciados fora de instituições genuinamente educativas.

Como nem todas as organizações estavam, e ainda não estão, dispostas ou preparadas para empreender por si mesmas a formação dos profissionais que necessitam, uma alternativa era apontada por Meister como tendência para suprir essa lacuna: os consórcios de aprendizagem. Diz ela em seu livro Educação Corporativa: a gestão do capital intelectual através de universidades corporativas, que tais consórcios reúnem

“um grupo de empresas que juntam seus recursos de treinamento e os oferecem aos funcionários adultos. Os consórcios agem como corretores de treinamento, adquirindo conteúdos das instituições tradicionais de educação superior ou até mesmo de universidades corporativas, que depois são oferecidos no mercado aberto. Nesse cenário, as universidades corporativas assim como as universidades tradicionais tornam-se tanto clientes quanto fornecedores do consórcio” (p. 219).

Jeanne Meister traz uma visão bastante específica a respeito de um conceito que pode assumir valores bem mais amplos. Enquanto estratégia, consórcios expressam uma associação que busca partilhar recursos para se alcançar um objetivo favorável a todos os envolvidos. Diríamos que, enquanto aliança, fornecem bases bem concretas para materializar projetos coletivos de valorização do conhecimento manifesto pelas pessoas e transformado em informação qualificada para uma organização.

Se considerarmos que gerar oportunidades para que as pessoas possam partilhar o que sabem, agrupar, organizar e tornar acessíveis informações relevantes, e alinhar processos de aprendizagem com o que se espera em termos de desempenho são ações de curadoria essenciais para quem deseja estabelecer alianças estratégicas, consórcios de aprendizagem, além de unidades de negócio, podem assumir feições menos dispendiosas, mas bastante eficazes em processos formativos.

Consórcios como sinônimo de cooperação

Há diferentes dimensões para a caracterização de um consórcio, sobretudo quando falamos de aprendizagem. A título de ilustração, pensemos em alianças estratégicas entre indivíduos interessados em estudar determinados fatores que facilitem seus procedimentos ou ampliem suas perspectivas de atuação. Podem ser de um mesmo setor, de setores diferentes de uma mesma organização, de organizações diferentes ou mesmo pertencentes a um mesmo ecossistema econômico mas atuando em setores e organizações diferentes, não importa. Basta que tenham a oportunidade de trocar experiências, partilhar certos saberes. O mesmo pode ser imaginado entre organizações, entre setores, entre ecossistemas, tudo depende dos objetivos e das perspectivas de financiamento.

Dependendo da circunstância, um ambiente virtual de gestão da aprendizagem pode ser suficiente para conectar expertises diferentes numa rede corporativa e socialmente ativa. A ideia de consórcio tem um viés econômico favorável, uma vez que os consorciados investem coletivamente em iniciativas cujo retorno todos vão obter. Quando a associação é formalizada, o número de participantes e as cotas estabelecidas são suficientes para que alguém já saia beneficiado na arrancada. No caso de alianças estratégicas, os benefícios de um investimento coletivo podem ser distribuídos a todos os participantes desde o início.

Digamos que um determinado setor da indústria demonstre interesse em gerar oportunidades para qualificar profissionais diferenciados, como Jeanne Meister identificou na virada deste século. Um conjunto de empresas se organiza para estruturar um projeto educacional voltado aos negócios de que fazem parte e decide investir coletivamente na ideia. As cotas assumem um valor estratégico, na medida em que podem ser convertidas em benefícios para colaboradores, substituir ou integrar-se a despesas com acesso a informações relevantes, formalizar foruns qualificados, proporcionar a produção de conhecimentos em parceria com instituições de educação formal, além de muitas outras possibilidades.

O importante é perceber que a ideia de consórcios de aprendizagem não se restringe a proposições meramente econômicas nem precisa formalizar estruturas rígidas. Uma estrutura partilhada de gestão de pessoas e de informações, por exemplo, envolvendo organizações interessadas em promover melhorias técnico-profissionais num determinado setor ou promover mudanças culturais no mercado em que atuam, pode ser bastante eficiente na tarefa de formar profissionais diferenciados, gerar um banco de talentos e estimular o desenvolvimento de carreiras.

A palavra chave em proposições assim é cooperação. A partilha de gestão de pessoas e de informações não é para dividir visões estratégicas do próprio negócio, a menos que isso contribua para se alcançar os objetivos previamente traçados. É de uma curadoria do conhecimento que estamos falando, de um alinhamento entre o que se precisa em termos de aprendizagem e o que se deseja como desempenho. Um alinhamento de cooperação entre parceiros estratégicos.

Estímulo a processos autodirigidos de aprendizagem

Os investimentos em projetos educacionais ainda se pautam na formalização de trilhas ou na padronização de trajetos para que as pessoas cheguem a um ponto determinado do que se pretende ensinar. E é claro que, em certos momentos, há a necessidade de conduzir os rumos no processo de aprendizagem. Mas o que se tem percebido diante da avalanche de informações disponíveis e de tantas incertezas quanto aos passos adequados ao propósito de chegar onde se quer é a necessidade de se estimular uma boa dose de autonomia como forma de desenvolver competências essenciais nos dias de hoje.

A Multiversidade é um exemplo de como o foco na aprendizagem tem ampliado as referências e as possibilidades para a educação. O projeto caracteriza a si próprio como uma comunidade de aprendizagem autônoma, autodirigida. Sua filosofia consiste em gerar oportunidades para que as pessoas interessadas em aprender encontrem motivação no que gostam e desenvolvam suas próprias maneiras de sistematizar o conhecimento. Mas o grande legado da proposta é promover o encontro de proposições singulares e diversificadas, cada uma interessada em investir em si mesma e, ao mesmo tempo, contribuir para a materialização de outras jornadas.

Em certo sentido, daria para considerar a Multiversidade uma forma alternativa de consórcio de aprendizagem. O investimento não é num percurso já traçado, um trajeto determinado. Quem escolhe ingressar na “viagem” educacional proposta pela Multiversidade investe em si mesmo e na oportunidade de partilhar sua curiosidade. Como suporte, recebe recursos para ajudar na empreitada e conta com pessoas dispostas a discutir as alternativas mais adequadas ao que se pretende.

Um sistema de cooperação precisa de autonomia. O interessante em projetos focados na aprendizagem é que os resultados desejados são pontos de chegada. Os caminhos até eles podem ser diferentes e é até desejável que se possa reconhecer diferentes trajetos no esforço de tentar alcançá-los. Em processos autodirigidos de aprendizagem, o destino é de quem o faz. Mas organizações inteligentes podem oferecer estímulos para que os interesses individuais e coletivos se alinhem.

Uma curadoria do conhecimento baseada em consórcios de aprendizagem tende a estimular processos autodirigidos. Por isso, não deve controlar os passos, mas avaliar constantemente os rastros deixados no caminho, creditar confiança na aprendizagem e manter o norte sempre em foco. Também deve cuidar para que os recursos estejam sempre acessíveis e os repertórios disponíveis constituam memória a respeito das jornadas empreendidas. Por fim, deve estimular o trajeto sem traçar previamente os rumos.

São procedimentos, obviamente, a serem analisados em contexto. Mas, se a lógica de um consórcio é o autofinanciamento, não se pode negligenciar a autodireção também como princípio. O que conta são as pessoas e suas possibilidades de atuação, não as matrizes que as orientam. Pelo menos no que diz espeito à construção do conhecimento.

Luciano Bitencourt

Formado em Jornalismo, é professor universitário daquela graduação há mais de 15 anos. Já atuou como repórter e participou de diversos projetos na área. É sócio-proprietário da Akademis.