Curadoria do conhecimento é uma forma de valorizar a inteligência organizacional

maio 23, 2017 | por Luciano Bitencourt

Dizíamos na semana passada que reconhecer nas pessoas o conhecimento manifesto e tornar acessíveis recursos e repertórios para fornecer a elas condições de atuação condizentes com o que se espera são dimensões essenciais no planejamento de projetos educacionais. Em outras palavras, os processos de gestão precisam alinhar a aprendizagem organizacional com o desempenho esperado, o que depende de informações disponíveis sempre que se necessite e de oportunidades para que as pessoas possam atuar.

O compromisso a ser assumido nesse desafio é o de gerar oportunidades de qualificação para que as pessoas possam atuar dentro de um certo grau de eficiência, de acordo com resultados esperados. E não há como saber o que importa fora dos objetivos traçados por uma determinada organização. Os critérios que definem o que é preciso desenvolver nas pessoas estão intimamente ligados ao que se espera alcançar com isso.

É importante ter consciência disso porque o conhecimento inscrito nas necessidades corporativas parte de uma inteligência própria, de recursos e repertórios que estão no âmbito do próprio negócio. Processos de aprendizagem organizacional são complementares aos da educação formal e podem ser muito singulares se comparados às necessidades de outros players do mercado, sejam concorrentes ou mesmo parceiros no ecossistema econômico. Isso significa que, mesmo em se tratando de conhecimentos corporativos mais universais, é a inteligência organizacional por trás deles que interessa.

Sendo assim, qualquer desenho ou estrutura que venha a propor um projeto educacional para atender a essas demandas bem específicas do mundo dos negócios deve se orientar de acordo com a inteligência característica de cada organização. Pode parecer complicado, mas há conceitos que nos ajuda a compreender a relevância dessa orientação: o de curadoria do conhecimento.

Curadoria do conhecimento para cuidar do que importa

No campo da educação, o conhecimento tem suportado um volume cada vez maior de áreas e subdivisões para categorizar todos os “nichos” hoje reconhecidos pela ciência. Essa complexa classificação é resultado de uma dinâmica e crescente rede de pesquisas cujos critérios e métodos de averiguação expressam uma espécie de consciência sobre a nossa realidade. É desse grande volume de informações que os sistemas de educação formal retiram referências para compor os processos de formação que conhecemos.

Já na esfera da vida cotidiana, o volume de informações é exponencialmente maior numa escala de tempo cada vez menor em função da multuiplicidade de técnicas e tecnologias em todos os campos de atuação humana. Estima-se, por exemplo, que a produção de informações digitais dobra a cada dois anos, que só 22% desse volume têm utilidade e apenas 10% estão estruturados.

Para o historiador inglês Peter Burke, a humanidade pode saber mais hoje do que em outras épocas. Mas isso não afeta o nível de conhecimento dos indivíduos em comparação a quem viveu em outros momentos da História. Diz ele que hoje cada um de nós sabe apenas coisas diferentes em relação a nossos antepassados. Quer dizer: os indivíduos de hoje não sabem mais do que os de outra época. Isso porque o conhecimento ganhou mais funcionalidade para a vida prática, as pessoas têm mais necessidade de saber como proceder em determinadas situações do que saber o porquê.

É nesse cenário que o termo curadoria ganha novos sentidos. Relacionada ao conhecimento, a curadoria diz respeito ao processo de agrupar e organizar informações relevantes e criar oportunidades para que as pessoas possam partilhar o que sabem em determinadas circunstâncias. A educação sempre teve esse compromisso. Só que agora suas estruturas formais não são mais as únicas fontes de sabedoria e seus métodos também não são mais a garantia de respostas ao que precisamos.

Importa cuidar das pessoas e das informações

Em quaisquer projetos educacionais assumimos o papel arbitrário de criar critérios para escolher o que importa. Na educação formal, por exemplo, as disciplinas são recortadas numa escala de tempo e para ocupar um certo espaço no processo de aprendizagem. O que se deve aprender antes: História Universal ou História do Brasil? Dentro da História Universal, quais conteúdos são mais apropriados e em que momento do processo de aprendizagem? São perguntas simples, mas de difícil resposta.

A rigor, a organização de processos formativos como a conhecemos tende a reforçar a linearidade de conteúdos, do mais simples para o mais complexo. É como se não conseguíssemos compreender certas coisas sem uma base conceitual. Tem lógica, mas é preciso considerar que saber explicar algo não significa saber como agir diante de uma situação em que as explicações estejam na ponta da língua. O contrário também se aplica.

Uma outra característica dessa forma de organização é que o conhecimento precisa ser testado e legitimado antes de servir de fonte. É como se o conhecimento estivesse sempre no passado e nele estivesse o reforço a todas as certezas de que precisamos. Mas aprender é ter dúvidas, muito mais que certezas. As grandes questões que nos impulsionam estão justamente naquilo que ainda não sabemos. Importa, portanto, dialogar com quem já pensou a respeito, estudar formas de compreender e proceder diante da dúvida, buscar respostas.

Curadoria do conhecimento é o próprio processo de conhecer. Nela estão as dúvidas, a necessidade de buscar respostas, o diálogo com quem já pensou sobre e viveu certas situações, o estudo de formas de compreensão e de procedimentos adequados a determinadas circunstâncias, entre muitos outros fatores. Mas está na curadoria também o compromisso de partilhar conjuntos de repertórios já experimentados e criar recursos para tornar acessíveis informações relevantes sempre que for preciso.

Esse papel cabe tanto para professores quanto para gestores de pessoas e de informações. Quanto mais coletivas as oportunidades para as pessoas manifestarem o que sabem, mais abrangente o conjunto de repertórios disponível numa organização, seja ela de que tipo for. A curadoria cuida do que importa. Em educação corporativa e complementar, pessoas e informações são a base do conhecimento. Se importa cuidar do conhecimento, importa cuidar das pessoas e das informações.

 

Luciano Bitencourt

Formado em Jornalismo, é professor universitário daquela graduação há mais de 15 anos. Já atuou como repórter e participou de diversos projetos na área. É sócio-proprietário da Akademis.