Diversificar experiências e recursos é essencial para a aprendizagem

maio 02, 2017 | por Luciano Bitencourt

No início do século passado, o rádio surgia como tecnologia sem fio para substituir o telefone. A ideia, claro, não deu muito certo. Era possível emitir sinais sonoros à distância mas não se conseguiu, na época, codificar a recepção para um único ouvinte. A mensagem chegava a quem tivesse um receptor sintonizado na frequência da emissão. O que parecia um problema transformou a comunicação humana. Nascia com o rádio a mídia eletrônica de massa, uma indústria que promoveu impactos ainda sentidos na sociedade moderna.

Até então, o espaço e o tempo eram o da escrita. O presente era individual. Nossas experiências sociais imediatas resumiam-se ao que alcançávamos fisicamente. Nos anos 20 do século passado, a “nova” tecnologia incorporava o presente social nas relações humanas. O rádio tornou possível “viver” experiências em conexão com outras pessoas distantes no espaço. Uma “inovação” cultural e tecnológica sem precedentes na história humana. Sintonizadas numa mesma frequência, pessoas que não se conheciam passaram a ouvir “juntas” informações sobre o cotidiano, entreter-se com música e novela, acompanhar eventos de diferentes naturezas sem estar fisicamente presentes.

Quase cem anos depois, o presente é virtual. Em tempo real, se pode viver experiências simuladas num espaço virtualizado por inteligência não biológica, por exemplo. Talvez estejamos vivendo em escala muito maior hoje o que nossos antepassados viveram com as transformações produzidas pelo rádio e as narrativas sobre o cotidiano contemporâneo de seus ouvintes. As noções de realidade se ampliaram exponencialmente. Quando um piloto de avião enfrenta num simulador de vôo experiências de risco, ele está aprendendo a enfrentá-las sem oferecer perigo à tripulação.

O futurista Kevin Kelly, autor de recente best seller nos EUA sobre tecnologia, argumenta (em inglês) que no futuro haverá outros modos de cognição não imaginados hoje. Modos de pensar estão sendo inventados fora do espectro natural atribuídos à inteligência humana. A tese se sustenta na hipótese de que não podemos falar de inteligência sem reconhecer seus diversos modos de operação. Portanto, a inteligência não biológica, conhecida como artificial, não pode ser comparada à inteligência humana porque os parâmetros não são equivalentes e ainda não desenvolvemos indicadores capazes de oferecer essa possibilidade.

Impacto sobre as experiências de aprendizagem

Voltemos à ideia de presente social. Ir a um jogo de futebol ou a um evento cultural não é o mesmo que ouvi-lo pelo rádio. Mas tanto o ouvinte quanto o espectador estão no mesmo presente social em relação ao evento. Quem o assiste pela televisão no mesmo instante está igualmente envolvido no presente social de ambos. Espectador, ouvinte e telespectador vivem uma experiência imediata concomitante, mesmo que não se conheçam e não estejam fisicamente juntos. A questão é que o presente social mediado à distância não recria a experiência concreta, vivida no cotidiano do mundo físico.

Espectador, ouvinte e telespectador poderão perceber fenômenos diferentes num jogo de futebol ou em qualquer evento transmitido simultaneamente por rádio e TV: o espectador influenciado por uma percepção mais orgânica de sentidos, envolvido pela emoção do espetáculo; o ouvinte pela entonação das vozes que descrevem o espetáculo; o telespectador por ângulos especialmente recortados e parcialmente ligados ao ambiente, muito mais amplo do que podem mostrar os monitores convencionais.

Há hoje uma gama de projetos que simulam a aprendizagem com efeitos bastante realistas. Em educação corporativa, por exemplo, os jogos de negócio fazem sucesso por estimular tomadas de decisão com base em referências que imitam a realidade. Entretanto, o impacto das experiências parece naturalizado porque os processos criados virtualmente são percebidos como reais. Além disso, a inteligência artificial combinada a outros fatores de impacto tecnológico parece estar estimulando a simulação da própria interação social. Como diz Kevin Kelly, estamos presenciando um crescimento exponencial de recursos dedicados à produção de inteligência não biológica e não da própria inteligência.

Os aspectos cognitivos não são suficientes para caracterizar o processo de aprendizagem. Quando alguém consegue explicar como faria para resolver um determinado problema, sua resposta não garante que consiga dar a solução se tivesse de enfrentá-lo de fato. E esse é um fator chave para a educação, incluindo a corporativa: aprender é uma ação que depende de cognição, de experiência, de informação qualificada, exercícios de tentativa e erro, questionamentos incomuns, entre tantos outros recursos que expressam uma inteligência.

Quanto mais híbridas as experiências, quanto mais diversificados os recursos, quanto mais coletivos os processos, maiores as chances de aprendizagem para enfrentarmos as situações complexas que ainda não conhecemos. Sobretudo no mundo dos negócios.

 

Luciano Bitencourt

Formado em Jornalismo, é professor universitário daquela graduação há mais de 15 anos. Já atuou como repórter e participou de diversos projetos na área. É sócio-proprietário da Akademis.