Do que as organizações precisam: educação ou treinamento?

março 07, 2017 | por Luciano Bitencourt

Legenda IpsumA educação corporativa tem, na sua origem, a suposição de que a educação formal não dá conta de preparar para o mercado. E é fato. Mas isso porque os objetivos e a concepção de formação são diferentes. Na educação formal, o preparo é para a vida. E a vida não se resume ao mundo do trabalho ou dos negócios. Na educação corporativa, entretanto, importa desenvolver pessoas no âmbito da produção, cada vez mais impactada por tecnologias e arranjos mais dinâmicos.

O que os estudos recentes têm mostrado é que a educação corporativa pode e deve ser vista como complementar. O que isso significa? Se o mundo do trabalho é parte da vida e a educação formal tem de dar conta de vários outros aspectos relacionados à ela, a educação corporativa pode assumir um papel mais efetivo na formação de pessoas para o mundo dos negócios. Pode ajudar a construir valores de cidadania corporativa e dar um propósito à relação entre empresa e trabalhadores.

Recente pesquisa da Deloitte feita em 2016 com cerca de sete mil líderes empresariais e de recursos humanos aponta que 84% deles consideram o aprendizado da força de trabalho como fator importante para os negócios. No Brasil, o índice sobe para 89% entre 378 entrevistados. Entre os líderes brasileiros ouvidos na pesquisa, o aprendizado é o terceiro maior fator de importância entre dez levantados.

Também no ano passado, a T&D Inteligência Corporativa publicou o Panorama do Treinamento no Brasil, indicando que o país investe anualmente 11% sobre a folha de pagamento em Treinamento & Desenvolvimento. É um percentual considerado alto para padrões como o dos Estados Unidos, por exemplo, cujo investimento é de 3,96% anualmente.

Em contraste com o potencial da educação corporativa para as organizações, o indicador mais usado para justificar os investimentos ainda é a melhoria do clima organizacional. A vida corporativa e as mudanças profundas no ambiente de trabalho estão em um horizonte distante das organizações, mesmo considerando que boa parte delas planeje reformular sua estrutura num futuro próximo.

Por que investir em outros indicadores de educação?

A educação corporativa pressupõe que conhecimento é fator de competitividade no mundo dos negócios. Os estudos na área, conduzidos principalmente pelo avanço da gestão do conhecimento como base conceitual, a colocam como componente estratégico importante para as empresas sobreviverem nesse contexto.

Resumidamente, aprender a desenvolver capacidades “novas” mais depressa que a concorrência torna-se essencial para gerar ambientes de “inovação”. Por isso as organizações têm se voltado para o aprendizado contínuo. E a educação corporativa surge como catalisadora dessa necessidade porque está mais focada nos objetivos do mundo dos negócios e porque permite que o conhecimento seja compartilhado dentro do próprio ambiente de trabalho.

Mas não é só isso. As relações de produção atualmente escapam ao território dos negócios em si. Preocupações ambientais, com a desigualdade social e econômica, com as mudanças demográficas que põem quatro ou cinco gerações num mesmo cenário produtivo, com as mudanças culturais e tecnológicas radicais que presenciamos, entre outros fatores impactantes, ampliaram o campo de atuação das organizações e as lógicas de mercado.

Os desafios para a educação corporativa estão na perspectiva de preparar as pessoas para um tipo de cidadania mais conectada com o momento em que vivemos. E isso implica ir além do mero treinamento ou o desenvolvimento de competências restritas ao desempenho técnico na busca de resultados.

Como apontam os estudos e pesquisas a respeito, o trabalho com propósito, que valoriza a criação, a colaboração e se estrutura em redes, de forma mais fluida e horizontal, é uma tendência. A educação corporativa, portanto, tem um papel estratégico importante. Livre das amarras normativas típicas da educação formal, só ela é capaz de formar para a cidadania corporativa, formalizando programas de aprendizagem sintonizados com as constantes transformações do mundo dos negócios e preocupados em contribuir para que as organizações produzam também valores.

Luciano Bitencourt

Formado em Jornalismo, é professor universitário daquela graduação há mais de 15 anos. Já atuou como repórter e participou de diversos projetos na área. É sócio-proprietário da Akademis.