Em Educação Corporativa, o que se pretende ensinar é o que precisa ser aprendido?

abril 25, 2017 | por Luciano Bitencourt

Nuno Crato foi ministro da Educação em Portugal entre 2011 e 2015 e defende ideias consideradas conservadoras quando se trata de formação. É apontado como um dos responsáveis pela melhora do país no Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes, o PISA de 2015. Os portugueses obtiveram uma média superior à estabelecida pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), e subiram no ranking em todas as áreas de avaliação: Leitura, Matemática e Ciências.

O interessante nesse caso é o fato de que as medidas tomadas pelo então ministro nada têm a ver com o discurso dominante a respeito dos processos de ensino e de aprendizagem. Elas privilegiaram, por exemplo, conteúdos de Português e Matemática e deram ênfase para História, Geografia e Ciências. Promoveram mais rigor nos processos seletivos de professores e criaram metas de aprendizagem que foram aferidas e divulgadas ao longo do processo. Estudantes com mais dificuldades tiveram mais créditos para recuperar os estudos, acompanhados por professores.

Foram medidas relativamente simples, mas baseadas em recursos vistos como antiquados pela pedagogia moderna. Os resultados, claro, mostram efetividade. Mas esse talvez não seja o ponto mais relevante a se considerar aqui. A própria OCDE, ao avaliar o PISA de 2012 (em inglês), concluiu que as economias com melhores colocações no ranking investiram mais em habilidades básicas, consideradas essenciais para o mundo de hoje. Em países mais preparados, segundo o estudo, o investimento em tecnologias digitais não foi uma prioridade.

Em educação, é muito comum se usar a tecnologia digital como referência para agregar valor aos projetos, sobretudo os relacionados ao mundo corporativo. As críticas mais contundentes aos modelos que ainda hoje influenciam os ambientes educativos enfatizam a falta de mudanças na relação entre professores e estudantes, o espaço da sala de aula tradicional e conservador, as metodologias excessivamente centradas no professor, a passividade imposta aos estudantes…a lista é grande.

Reflexões para a gestão da aprendizagem

As instituições de ensino formais concorrem hoje com muitos outros espaços de aprendizagem e já não se reconhecem mais como centros de saber. Quando falamos em educação corporativa, por exemplo, estamos atribuindo qualidade a um termo genérico com a finalidade de caracterizar o espaço de aprendizagem para o mundo dos negócios. O que está em pauta é como esse espaço é organizado e que, via de regra, resume-se à formação para os mercados e à qualificação de mão de obra.

É de se supor que os referenciais do PISA devam ser adotados sem questionamentos. Mas não se pode estigmatizar um sistema educacional apenas com base em avaliações cujo instrumento reduz as respostas a padrões esperados. Em educação corporativa os processos de aferição da aprendizagem tendem a reproduzir instrumentos e critérios consagrados pelo sistema de ensino formal. E não há problema nisso, mesmo porque programas como o PISA têm sua importância. A questão é entender a avaliação também como processo de aprendizagem e não um sistema de ranqueamento ou mesmo reconhecimento de quem merece ou não passar de nível.

O que propostas como as do ex-ministro português trazem de valor são diretrizes claras e ações concretas para que sejam cumpridas. Em outras palavras, o desenho da estrutura de gestão da aprendizagem precisa estar em consonância com os objetivos que se pretende. Essa arquitetura de organização fornece os indicadores que dão coerência aos produtos educacionais e ajudam a avaliar as possibilidades de concretização da empreitada.

Existe, contudo, uma questão chave: mais do que pensar sobre o que deve ser ensinado, como é recorrente nos processos educativos formais, o propósito é descobrir o que as pessoas precisam aprender efetivamente para dar conta dos seus desafios, sejam pessoais ou profissionais. E isso não quer dizer que elas devam aprender apenas sobre o que gostam, ao contrário.

Uma boa arquitetura de organização oferece estímulo, motivação e reconhecimento tanto quanto percursos que exijam esforço para aprender o que é necessário. A gestão da aprendizagem depende essencialmente disso para aferir adequadamente os resultados.

 

Luciano Bitencourt

Formado em Jornalismo, é professor universitário daquela graduação há mais de 15 anos. Já atuou como repórter e participou de diversos projetos na área. É sócio-proprietário da Akademis.