Entre uma visão de futuro para a educação e os sinais do presente

abril 18, 2017 | por Luciano Bitencourt

Inteligência artificial e computação cognitiva estão no centro das inovações tecnológicas em educação e essa é uma “evolução” inevitável. Impactados por esse cenário, os modelos de negócio precisam ser reinventados e as start-ups são a bola da vez. É uma leitura bem sintética sobre o futuro da educação, mas pode ser feita a partir do EdTech Class, evento realizado por Startse e Affero Lab em São Paulo no final de março.

No centro dos problemas está a educação formal e suas instituições tradicionais, como enfatizaram os conferencistas em sua absoluta maioria. Organizadas no formato clássico do Século XIX, as salas de aula de hoje, por exemplo, ainda privilegiam a atuação do professor em detrimento do protagonismo de quem quer aprender. Escolas e universidades, ao que parece, estão no rol das grandes corporações lentas demais para inovar.

São muitas as soluções hoje existentes para dinamizar o espaço da aula. Há todo um ecossistema de empreendedores e investidores interessados em promover vantagens disruptivas ao sistema educacional e uma gama de estratégias e recursos tecnológicos capazes de transformar a rotina dos processos formativos.

Na visão de Andy Main, diretor da Deloitte Consulting, vantagem disruptiva é uma nova base para a concorrência na economia digital global que depende de um pensamento ousado e da vontade de rever aspectos na organização para torná-la mais ágil, rápida e pronta para aproveitar as oportunidades. Característica que entusiastas como Mauricio Benvenutti, da Startse, reconhece nos modelos de start-ups.

Dois bilhões de empregos estarão em risco até 2030 e a educação é convidada a criar caminhos para amenizar os impactos. Estudo do Institute for the Future, da University of Phoenix, aponta seis razões para um momento disruptivo:

  1. Pessoas vão viver mais e tendem a ter mais de uma carreira ao longo da vida;
  2. Trabalhadores terão de repensar suas tarefas, visto que a automação será responsável por atividades rotineiras;
  3. Poder de processamento computacional vai proporcionar nova concepção de programações e ferramentas no cotidiano;
  4. Eventos individuais tendem a ganhar vários ângulos e perspectivas através de mídias onipresentes;
  5. Comunicação em larga escala terá novo nível de inteligência coletiva em redes sociais;
  6. Expansão dos centros de Pesquisa & Desenvolvimento de grandes empresas para mercados emergentes vai ampliar o nível de competitividade.

São razões justificáveis, na avaliação da International Finance Corporation, uma instituição membro do Banco Mundial, para a aplicação de recursos em um modelo educacional focado nas demandas de mercado para o Século XXI. Segundo Carmen de Paula, representante da IFC na América Latina e no Caribe, mais de US$ 2 bilhões já foram investidos em parceria com o setor privado.

A Microsoft, uma das gigantes no mercado de tecnologia, é outra das parceiras das start-ups nessa empreitada. E o investimento é em educação empreendedora, com o uso de inteligência artificial e softwares sofisticados, para mudar a crítica realidade brasileira quanto às avaliações do sistema educacional.

Nem tanto ao céu…

Uma das questões sobre o futuro é que, no contexto aqui descrito, ele está associado a hegemonias políticas e decisões econômicas estabelecidas em determinados centros de referência. Falando no campo da educação, essa parece ser uma questão chave, estratégica, se usarmos um termo mais adequado.

Alex Bretas, ao tratar da Multiversidade, usou uma frase impactante atribuída a David Roberts, da Singularity University:

“A maioria das universidades do mundo vai desaparecer”.

De fato, essa não é uma previsão tão nova e “disruptiva” quanto parece. Na década de 90, o pesquisador português Boaventura de Souza Santos dizia que a educação a distância, impulsionada pela globalização da economia, iria impor o desaparecimento de instituições educacionais de países periféricos, ou por impossibilidade de concorrência ou pela sua incorporação a instituições maiores e mais “respeitadas”.

Alex Bretas aponta a aprendizagem autodirigida como caminho para se direcionar esforços no que realmente faz sentido para cada pessoa. É uma forma de educação personalizada mais pautada nas experiências e nos interesses pessoais, o que também não constitui uma novidade. A comunidade de aprendizes autônomos desenhada por Bretas é quase platônica, se pensarmos no Jardim de Academus onde o filósofo grego organizava sua escola.

Carlos Schloschauer, da Affero Lab, chegou a afirmar que talvez estejamos chegando ao fim da educação corporativa porque o valor agora está na “aprendizagem corporativa”. Ele faz uma alusão ao fato de que processos autodirigidos precisam ser mais valorizados em função das competências necessárias ao novo cenário econômico-produtivo. Contudo, as visões de futuro focadas exclusivamente em propósitos de mercado podem negligenciar oportunidades tão disruptivas quanto as levantadas no EdTech Class.

A ideia de que a evolução tecnológica é inevitável porque dispositivos mais complexos surgem a todo o instante e substituem os mais “primitivos”, mais “arcaicos”, deve ser vista com cuidado. O pesquisador alemão Siegfried Zielinski alerta para o fato de que as hegemonias políticas e a concentração econômica são responsáveis pelo “apagamento” de oportunidades fora de um horizonte de visão sobre o futuro percebido como único.

Como diz Zielinski, inspirado na filosofia, a realidade esconde uma série de possibilidades que nunca terão valor porque, na hierarquia reponsável pelas decisões a respeito dos investimentos no futuro, jamais serão percebidas como reais.

A frase de William Gibson, pronunciada como um mantra pelos futuristas, merece atenção. Se “o futuro já está aqui”, é porque há sinais de que os rumos estão traçados em função de esforços já direcionados para que ele aconteça do modo como um determinado grupo deseja; e se “só não está muito bem distribuído”, é porque as hegemonias políticas, a convergência econômica e as hierarquias de decisão não enxergam possibilidades fora do que acreditam ser a própria realidade.

Os sinais do presente estão aí. A revolução inspirada no silício pode estar começando a perder força. Já há quem reconheça no grafeno um novo marco tecnológico. E a julgar pela velocidade das mudanças reconhecida no EdTech Class, talvez nem tenhamos tempo de perceber seus impactos.

Que a educação, ou a aprendizagem se preferirem, ajude na tarefa de diversificar os sinais e não na de definir uma visão única de futuro.

 

Luciano Bitencourt

Formado em Jornalismo, é professor universitário daquela graduação há mais de 15 anos. Já atuou como repórter e participou de diversos projetos na área. É sócio-proprietário da Akademis.