Educação corporativa e os desafios da força de trabalho

março 21, 2017 | por Luciano Bitencourt

akademis-blogVia de regra, educação corporativa é entendida como espaço de aprendizagem destinado à formação para os mercados e para a qualificação de mão de obra. Quando falamos em educação corporativa, estamos atribuindo qualidade a um termo genérico com a finalidade de caracterizar o espaço de aprendizagem para o mundo dos negócios.  Não que isso seja um equívoco, mas é questionável a redução do potencial deste espaço de aprendizagem específico ao sentido técnico e à ideia de que os negócios estão atrelados, exclusivamente, às relações de produção.

A educação corporativa tem o compromisso de aproximar capacidades potenciais e autênticas. E isso envolve aspectos intelectuais, técnico-funcionais, comportamentais, éticos e também políticos. Capacidades potenciais podem ser reconhecidas como as referências necessárias para que alguém saiba como agir e seja reconhecido por suas ações nos mais diferentes âmbitos, incluindo o do trabalho. Já as capacidades autênticas são desenvolvidas nos processos de formação educacional ou no âmbito da experiência profissional. Idealmente, na convergência de ambas.

Na prática, isso significa aproximar as qualificações requisitadas pelas organizações (capacidades potenciais) das competências “trazidas na bagagem” das pessoas (capacidades autênticas). É nesse ponto que a educação corporativa ganha sentido, pois oferece perspectiva de formação para uma força de trabalho que saiba agir responsavelmente em resposta aos valores e aos resultados esperados pela organização.

Formação de uma “força de trabalho tácita”

Os departamentos de recursos humanos, volta e meia, deparam-se com situações bem típicas que exemplificam a dissonância entre capacidades potenciais e autênticas: currículos bem documentados, que impressionam pela quantidade e pelo conjunto de “conhecimentos” relacionados, não se materializam em ações porque as pessoas que os apresentaram não conseguem mostrar a “utilidade” do que sabem. Ou porque nunca vivenciaram as situações que vão enfrentar ou porque não conseguem compartilhar o que aprenderam.

As pesquisadoras estadunidenses Jeane Meister e Karie Willyerd, em O Ambiente de Trabalho de 2020: como as empresas inovadoras atraem, desenvolvem e mantêm os funcionários do futuro nos dias de hoje, publicado em 2013, dizem que a “literatura empresarial” abrangendo “estratégias relacionadas às pessoas, à cultura e ao talento” carece de exemplos que inspirem mudanças. Isso porque os exemplos descritos pela literatura em questão repete as “mesmas histórias de poucas empresas” como casos a serem estudados.

O livro projeta um futuro relativamente próximo, mas usa como referências aspectos do mundo do trabalho vividos em muitas organizações na atualidade. Já parece incontestável a ideia defendida por elas de que, “em cinco ou dez anos”, vai haver um aumento considerável de empregos que precisarão de um “conjunto complexo de habilidades interdisciplinares”, descritas como “resolução de problemas, discernimento, saber escutar, análise de dados, construção de relacionamentos e colaboração e comunicação com os colegas de trabalho“.

É preciso reconhecer que a educação, no sentido amplo do termo, tem em si a necessidade de conservar saberes, hábitos e valores universais, sem os quais perdemos referências essenciais para projetar nosso futuro. O problema, como apontam Meister e Willyerd, é a reprodução, muitas vezes conveniente, dos exemplos e das ideias consideradas legítimas pelo “sucesso” analisado fora do seu devido contexto. Quer dizer: não é porque uma proposta deu certo numa determinada circunstância que tende a dar certo de maneira generalizada.

Se a “força de trabalho tácita” (como denomina a multinacional de consultoria empresarial McKinsey Research) vem ganhando valor justamente pela ausência de habilidades mais complexas e interdisciplinares nos postos de trabalho de uma economia do conhecimento, a educação corporativa, por sua vez, é um caminho viável para propor jornadas de aprendizagem que as desenvolvam. O desafio está em um método capaz de sistematizar formas de aprendizado que deem conta de preparar para o futuro, e não de reproduzir estratégias de resultados genéricos.

 

Luciano Bitencourt

Formado em Jornalismo, é professor universitário daquela graduação há mais de 15 anos. Já atuou como repórter e participou de diversos projetos na área. É sócio-proprietário da Akademis.