maio 09, 2017 |
Jeanne Meister é unanimidade nos estudos sobre educação corporativa. Foi consultora por mais de 20 anos, trabalhando com o que ela denomina de organizações de aprendizagem. É dela a definição mais usada sobre universidade corporativa, publicada em 1999 pela Makron Books, sob o título “Educação Corporativa: a gestão do capital intelectual através de universidades corporativas”:
É um guarda-chuva estratégico para o desenvolvimento e a educação de funcionários, clientes e fornecedores, buscando otimizar as estratégias organizacionais, além de um laboratório de aprendizagem para a organização de um pólo permanente.
A partir dela, diferentes autores, com maior ou menor senso crítico, fundamentaram hipóteses. De acordo com a ideia de Meister, uma universidade corporativa não é um ambiente físico, independe de corpo docente instituído ou estrutura semelhante ao homônimo do sistema formal de educação. É muito mais um “processo organizacional” do que uma instituição. Essa vertente interpretativa não é hegemônica mas exerce grande influência nos projetos brasileiros. Há diversos aspectos a serem pensados na proposta de uma universidade corporativa. Um dos mais importantes é a estrutura curricular.
Três eixos são tidos como mínimos em quaisquer propostas de organização na arquitetura de aprendizagem em universidades corporativas: Cidadania Corporativa, Estrutura Contextual e Competências Críticas. O primeiro eixo trata de um certo compromisso entre as pessoas, a organização e a sociedade, e de valores mais universais como ética, por exemplo. O segundo envolve os arranjos produtivos, das atividades específicas no espectro funcional da oganização às relações com o ecossistema de produção. Por fim, o terceiro eixo trata de desenvolver as competências consideradas essenciais, não só para o exercício técnico-profissional mas também para a geração de ambientes favoráveis à inovação.
A Apple tem uma universidade corporativa. É interessante que não se tenha muitas informações a respeito. A Apple University não é mensionada nas estratégias de marketing da empresa porque seus programas são oferecidos exclusivamente para executivos convidados do próprio quadro e têm o propósito exclusivo de cultuar os valores da organização. É uma escola de negócios exclusiva para membros da empresa indicados por um seleto processo de escolha. A história da Apple, a importância da especialização para a qualificação da produção e o contexto externo são alguns dos ensinamentos característicos da escola.
Outras experiências evidenciam diferentes tipos de projeto para a educação corporativa. Em Portugal, por exemplo, empresas têm associado escolas de formação com o recrutamento e processos que não são lecionados nas instituições de ensino, especialmente as universidades. O caráter dos programas é múltiplo mas focado nos arranjos produtivos elaborados internamente e nas relações com toda a cadeia de produção. A Novabase Academy, por exemplo, recruta recém saídos das universidades para aprimorar características como responsabilidade, espírito crítico, capacidade de colaboração e reação a desafios, além de ensinar a gerir as relações pessoais.
Já a EDP, uma empresa do ramo de eletricidade que opera, entre outros países, em Portugal, Espanha, Estados Unidos e Brasil, organiza na Universidade EDP sete escolas que abrangem todas as áreas do negócio. Duas são transversais: a Escola EDP, voltada para novos colaboradores, e a de gestão, focada na formação de lideranças. Além disso, oferece um MBA (Master of Business Administration) subsidiado parcialmente. A adesão a esses programas exige não só comprometimento mas o compromisso de seus funcionários em se manterem na empresa por um determinado tempo, dependendo do caso, sob pena de terem de devolver a ela os recursos investidos, num eventual desligamento antes do tempo estabelecido.
Aprendizagem para a vida corporativa
No Brasil, as experiências com universidades corporativas são relativamente recentes. Foi nos anos 90 que começaram a se consolidar projetos inspirados nas Corporate University dos Estados Unidos. Por lá, as parcerias entre as corporações e as instituições de ensino constituiram programas customizados que agregavam competências acadêmicas à formação de membros das empresas parceiras. Mas os estudos feitos por aqui ainda evidenciam que a maior parte das experiências brasileiras organiza seus projetos como um catálogo de cursos, sem muita aderência à cultura organizacional e às estratégias empresariais.
Ao longo do processo de desenvolvimento da educação corporativa, percebe-se que o termo “universidade” foi sendo incorporado com duas características distintas:
De certo modo, as universidades corporativas representam um estágio mais recente da educação voltada ao mundo dos negócios. Sua incorporação está relacionada, entre outras coisas, à ideia de desenvolvimento pessoal no mundo do trabalho, cujas competências já não se reduzem mais a um conjunto de habilidades específicas para a realização de uma atividade num determinado ramo. As referências no âmbito da educação corporativa mostram que quanto mais complexa a relação entre diferentes programas de treinamento e capacitação numa organização, mais o termo “universidade” parece fazer sentido.
É possível, a partir dessas características básicas, estabelecer diferenças quanto ao conceito de universidade adotado academicamente e regulada pelo Ministério da Educação brasileiro. Primeiro é importante salientar que o sistema de educação superior no país tem diferentes tipos de instituição. Institutos, faculdades, centros universitários e universidades compõem um complexo conjunto de instituições cujas diferenças estão expressas na organização acadêmica. São diferenças até bem sutis. Importa compreender o que caracteriza uma universidade e porque o termo é tão controverso quando associado ao mundo corporativo.
Uma universidade, enquanto instituição “pluridisciplinar”, deve oferecer atividades regulares de ensino, de pesquisa e de extensão em diferentes áreas de conhecimento e gozam de plena autonomia, garantida na Constituição Federal. Isso significa que, além de cursos formais, uma universidade está obrigada a ofertar atividades que fomentem a produção científica e práticas de investigação, estruturadas em cursos de mestrado e doutorado, além de núcleos e grupos de pesquisa institucionalizados. Também deve oferecer serviços às comunidades no entorno e oportunidades de formação em atividades de cunho social. Portanto, está ligada a um processo de formação amplo, em que o mundo do trabalho é um dos componentes.
A redução do termo “universidade”, associado exclusivamente ao mundo corporativo, é vista no âmbito acadêmico com reserva e desconfiança. Vinculada somente ao âmbito dos negócios, a universidade corporativa perde em dimensão se comparada às instituições acadêmicas. É por isso que propostas de universidade corporativa ganham sentido quando complementam a educação de nível superior com aspectos relativos ao ambiente produtivo e processos de qualificação técnico-profissional sustentados por valores humanos e organizacionais.